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Conviver intensamente com Raphael Rabello, dos seus seis aos onze anos de idade, me deu o privilégio de acompanhar o início e a evolução de uma fascinante, incrível e breve carreira. Raphael foi um menino prodígio e não só em música. Em outras áreas, também já dava sinais de sua genialidade. Entendia como ninguém da criação de animais. Conversava como adulto sobre alguns aspectos da Psicanálise e sobre a vida de Freud, ou ainda, sobre Astronomia, chegando a espantar inclusive especialistas das matérias. Estes e outros aspectos de sua personalidade sinalizavam que, a qualquer arte ou ofício a que se dedicasse, certamente seria brilhante. Neto de José Queiroz, violonista completo e dono de belíssimas composições para violão, teve uma infância especialíssima e favorável ao desabrochar do talento que foi. Sua família exerceu uma influência capital em sua trajetória, atraindo para o seu cotidiano, através de suas relações de amizade, a convivência com músicos da mais alta qualidade.
No caso da formação violonística de Raphael, deve-se considerar que, desde menino, ele tinha contato com o violão, vendo e observando os irmãos tocarem as canções brasileiras da bossa-nova, choro e samba, além de algumas composições do avô. Também fazia parte desse panorama a música erudita, que soava na casa, por conta do piano de uma de suas irmãs, e do violão clássico, parte do contexto. Como todos conheciam os fundamentos básicos da boa execução violonística, Raphael sempre tinha alguém a lhe mostrar o caminho dos dedos. Assim foi indo, aos poucos, através de uma aprendizagem musical informal. Eu mesmo tive a oportunidade de, tocando não só de "ouvido", como também de "olho", repassar-lhe diversas peças do repertório clássico do violão, além de exercícios técnicos e arranjos meus para Tico-Tico no Fubá, Apanhei-te Cavaquinho, Odeon e muitos temas da bossa-nova, samba e jazz, todos solados. Aos poucos, sua intuição para o acompanhamento foi desabrochando de uma forma surpreendente. Estávamos no início dos anos 70. Portanto, sua capacidade de solar se antecipou à capacidade de acompanhar (daí, creio, vem a maestria de suas harmonizações).
Por volta dos 10 anos de idade, Raphael se apaixonou perdidamente pelo disco Vibrações, do Época de Ouro - de Jacob do Bandolim. Encantava-lhe especialmente o violão do Dino, a tal ponto que muitas vezes ele vinha à minha casa só para ficar ouvindo o disco. De tanto ouvir, quase gastou todo o vinil, tornando precária em poucos dias a sua audição. O resultado é que Raphael conseguiu, em menos de duas semanas, acompanhar todo o disco imitando o violão do Dino com todas as notas a que tinha direito. Em mais algumas semanas já estava fazendo suas próprias variações.
Quanto ao repertório que eu havia passado pessoalmente a ele nessa época, poucos meses depois já conseguia me superar visivelmente. Acredito que se pudéssemos trazê-lo de volta hoje, com seus 10 anos de idade, faria qualquer violonista ficar boquiaberto, não só com a sua competência técnica, como com a maturidade musical que demonstrava em suas interpretações. Em certa ocasião fomos convidados para um almoço num casarão no Leblon, onde estariam Dick Farney e Luiz Bonfá. Realmente, lá estavam eles, Dick ao piano fazendo uns improvisos jazzísticos à moda de Dave Brubeck, acompanhado pela bateria de seu irmão e galã de cinema, Cill Farney. Enquanto a música soava, Bonfá já se preparava para pegar o violão, coisa que não chegou a fazer, pois terminada a música, alguém anunciou (provavelmente o anfitrião) que aquele menino pequeno e gordinho iria tocar uma música em homenagem ao Bonfá, nada mais do que Manhã de Carnaval. Todos na casa ficaram surpresos com aquela interrupção, mas, apesar da desconfiança, pararam para ver. Após alguns compassos, já se podia perceber a transformação nas faces das pessoas, que passava do ar de descrença para o de espanto total. Terminada a música, os aplausos foram inevitáveis. Quem poderia imaginar que do violão daquele pixote, poderia sair tanto som e com notas tão bem articuladas? Por um momento, Bonfá ficou imóvel. Depois, cumprimentou-o efusivamente. Da desconfiança, passou-se a um clima de entusiasmo: aquele menino gordinho, cujo violão parecia enorme, com os olhinhos espantados sob o topete louro e as mãozinhas redondas, vai se tornar uma das maiores expressões do instrumento! Após essa fase, Raphael fez parte do grupo Os Carioquinhas, o que foi determinante em sua carreira. Quase ao mesmo tempo, passou a estudar o violão mais formalmente com o Meira (antigo professor de Baden Powell). Meira ensinou-o a ler partitura por métodos tradicionais, orientando-o para uma aprendizagem mais formal e utilizando o choro para sedimentar a sua base musical. Foi, seguramente, com Meira que Raphael consolidou a sua formação.
Como curiosidade e ilustração de sua facilidade para aprender, apesar de seu biótipo, Raphael aprendeu a nadar comigo no Sítio Taquara, em Petrópolis, em uma pequena piscina. Depois, para demonstrar que aprendera mesmo, iamos pegar umas ondas em Ipanema, nos finais de semana. É verdade que o foco do seu interesse não era dirigido exatamente para a prática de esportes, tanto que quando estava à mesa, pronto para degustar seu prato predileto dizia com toda solenidade: "o frango é uma ave sagrada!". Quanto à paixão pelos animais, vez por outra aparecia a cavalo, na sua casa de Petrópolis. Para surpresa de sua mãe, alojava-o na garagem. O cavalo era seu animal preferido e seu sonho na época era ser jóquei, uma impossibilidade consciente.
Hoje, passados tantos anos, entendo que aprendi muito mais com ele do que ele comigo. É essa herança que procuro transmitir aos alunos de violão, que hoje dispõem de todas as facilidades bibliográficas, tecnológicas e, principalmente, dos excelentes mestres que temos no Brasil (a AV-RIO, aliás, é um dos pilares importantes dessa nova era do instrumento). Se Raphael tinha uma missão, cumpriu-a muito bem no seu pouco tempo de vida. Tenho o maior orgulho de ter vivido essa história e espero que os que estão chegando agora possam encontrar nas gravações de Raphael, a inspiração necessária para atingirem seus objetivos.
(Agradecimentos especiais a Roberto Gnattali e Roberto Moura pela revisão)
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Disco do acervo Funarte remasterizado para CD. Radamés Gnattali e Rafael Rabello prestam homenagem a Garoto, um dos grandes compositores e instrumentistas da música brasileira. Raphael Rabello interpreta sucessos do compositor pernambucano Capiba. Convidados especiais: Francis Hime, Lincoln Olivetti, Paulinho Moura, João Bosco, entre outros.
CDs de Raphael Rabello
RADAMÉS GNATTALI e RAFAEL RABELLO
RAFAEL RABELLO
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